A Indução da Jogatina entre Jovens no Brasil: Evidências, Riscos e a Urgência de Proibição Publicitária

1. Introdução

A crescente exposição de crianças, adolescentes e jovens ao mercado de apostas esportivas online no Brasil tem revelado uma crise de saúde pública e ética. Trata-se de um fenômeno impulsionado por campanhas publicitárias altamente segmentadas, uso de influenciadores digitais, patrocínio de clubes esportivos e, sobretudo, pela ausência de barreiras legislativas eficazes que coíbam a normalização da jogatina como forma de lazer ou ascensão social. Tal conjuntura é incompatível com os preceitos constitucionais da proteção integral e prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente, conforme estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/1990).

2. Exposição juvenil como alvo comercial

Em artigo publicado na Veja Rio, a médica psiquiatra Dra. Analice Gigliotti (2024) denuncia a atuação coordenada de duas indústrias altamente nocivas – a das apostas esportivas online e a do tabaco eletrônico – que direcionam sua publicidade aos jovens, alavancando o consumo por meio de mensagens que associam tais práticas a sucesso, liberdade e prazer. A autora adverte que o cérebro de adolescentes e jovens adultos é altamente suscetível à formação de vícios comportamentais, uma vez que o sistema dopaminérgico ainda se encontra em maturação.

A denúncia da Dra. Gigliotti encontra respaldo técnico na Nota Técnica nº 513/2024 do Banco Central do Brasil, que estimou que 24 milhões de brasileiros realizaram transferências via Pix para sites de apostas apenas em 2024, sendo a maior concentração entre indivíduos de 20 a 30 anos. O dado mais alarmante, contudo, refere-se ao perfil socioeconômico: cinco milhões de beneficiários do Programa Bolsa Família transferiram R$ 3 bilhões para sites de apostas em agosto de 2024, dos quais quatro milhões eram chefes de família, comprometendo diretamente a renda mínima destinada à sobrevivência (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2024).

3. A falsa promessa de controle: por que regular não é suficiente

Falar em “regulamentar” a publicidade das apostas online equivale, na prática, a legitimar uma prática intrinsecamente predatória, cujo modelo de negócio depende da compulsividade, da ilusão de ganho fácil e da repetição viciante. Tal como ocorre com a indústria do tabaco, a mera regulação é insuficiente para conter os danos sociais e econômicos, sendo necessária a proibição total da propaganda de apostas em qualquer meio de comunicação, especialmente aqueles com penetração juvenil.

Conforme alerta o jurista Roberto Lasserre (2022), a legalização dos jogos de azar não extingue o mercado ilegal, mas o amplia, ao reduzir a percepção de risco e estimular o consumo em larga escala por novos públicos, como os adolescentes. Os cassinos e plataformas de apostas são mecanismos altamente eficazes de extração de renda de populações vulneráveis, com impactos documentados como: endividamento, evasão escolar, transtornos psiquiátricos e suicídio.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica o vício em jogos como transtorno do controle de impulsos desde 1992 (CID-10 – F63.0), e estudos indicam que entre 13% e 20% dos jogadores compulsivos tentam suicídio, um índice até 40 vezes superior à média populacional (LASSERRE, 2022).

4. Propostas para contenção e responsabilização

Diante deste cenário, é imperativo que o Estado brasileiro adote medidas legislativas de contenção e coibição imediatas, a saber:

  • Proibição total da propaganda de apostas em mídias físicas e digitais, com foco especial em meios acessíveis ao público infantojuvenil;
  • Vedação de patrocínios por empresas de apostas a clubes, federações, atletas e eventos esportivos;
  • Responsabilização civil, administrativa e penal de entidades esportivas e veículos de mídia que promovam ou se beneficiem economicamente da jogatina;
  • Criação de uma política nacional de prevenção à ludopatia, com campanhas de conscientização nas escolas, unidades de saúde e redes sociais;
  • Monitoramento digital compulsório de plataformas de apostas, com bloqueio imediato de acesso por menores de idade;
  • Aplicação do princípio da precaução, suspendendo a operação de plataformas que não demonstrem cumprimento de protocolos de proteção juvenil.

5. Conclusão

O Brasil vive um processo acelerado de normalização da jogatina, impulsionado por interesses econômicos que exploram a fragilidade emocional e financeira de milhões de jovens e famílias de baixa renda. Diante da evidência científica acumulada e dos danos sociais irreparáveis já em curso, a única resposta compatível com o interesse público e com a doutrina da proteção integral é a proibição rigorosa da propaganda e do aliciamento comercial promovido pela indústria de apostas.

A sociedade não pode aceitar que clubes esportivos, celebridades e veículos de mídia participem, com plena impunidade, da construção de um novo ciclo de dependência e destruição social. Não se trata de regular: trata-se de impedir.


Referências (ABNT)

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Nota Técnica nº 513/2024 – BCB/SECRE. Estudo Especial nº 119/2024: Análise técnica sobre o mercado de apostas online no Brasil e o perfil dos apostadores. Brasília: BCB, 2024.

GIGLIOTTI, Analice. Apostas online e cigarros eletrônicos: pesquisa mostra que jovens são alvo. Veja Rio, Rio de Janeiro, 28 maio 2024. Disponível em: https://vejario.abril.com.br/coluna/analice-gigliotti/apostas-online-e-cigarros-eletronicos-pesquisa-mostra-que-jovens-sao-alvo/. Acesso em: 04 jun. 2025.

LASSERRE, Roberto. Principais riscos do PL 2234/2022 (ex-PL 442/1991). [S.l.], 2022.

Data: 05 de junho de 2025.

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