
Manifestamos nossa posição contrária ao projeto de Lei nº 2234/2022, que visa legalizar os jogos de azar no Brasil, e pedimos aos Senadores e Senadoras da República que votem contrários a essa iniciativa parlamentar, visto que as enormes consequências negativas com a liberação superam em muito os supostos benefícios alardeados, com graves e inaceitáveis efeitos negativos sobre a sociedade brasileira.
Os lobistas favoráveis à jogatina estão se valendo de uma narrativa recheada de informações falsas, números inflacionados e irreais, numa permanente propaganda enganosa. Falam que seriam gerados bilhões de reais em arrecadação de impostos. Esse número é fictício e não se sustenta. Essa atividade não gera nova riqueza. O percentual da riqueza que poderá circular na indústria do jogo será resultante, tão somente, da transferência de gastos feitos em outros setores da nossa economia que já pagam seus impostos (restaurantes, cinemas, livrarias, teatro etc.), assim como já vem acontecendo com os jogos de apostas de quota fixa que em 2024, segundo a Confederação Nacional do Comércio retirou do varejo 103 bilhões de reais.
Na verdade, o nosso mercado interno – na sua maioria os micros e pequenos empreendedores – será prejudicado em detrimento dos grandes conglomerados estrangeiros que administram a jogatina. Com essa canibalização do mercado local, provavelmente haverá uma perda liquida de empregos. Além disso, o Ministério do Trabalho norte-americano aponta que os empregos criados no setor de jogos são de baixa qualidade e baixo salário.
Outro argumento falacioso é sobre o incremento do Turismo. Dados do Banco Mundial mostram que entre 1995 e 2019 o número de turistas estrangeiros no mundo teve um crescimento de 122%, enquanto no Brasil foi de 219%, em função de suas belezas naturais e diversidade. Para além disso, dados da autoridade de turismo de Las Vegas apontam que apenas 14% dos visitantes são estrangeiros, sendo 4% os que afirmam que o motivo da visita foi o jogo.
Outra propaganda falsa é que acabaria o jogo ilegal. Legalizar não implica na erradicação da atividade marginal, na verdade provavelmente irá incentivá-la. Se assim o fosse, 38,5% dos cigarros consumidos no Brasil não seriam falsificados, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer, bem como 96 marcas de cigarros não seriam pirateadas.
O PL 2.234/2022 cria novas brechas legais para crimes financeiros. Conforme destaca Roberto Lasserre (2025), o projeto autoriza apostas com prêmios de até R$ 5 mil sem identificação do apostador. Essa omissão favorece a lavagem de dinheiro, dificulta o controle pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e ameaça os mecanismos de integridade financeira.
Por outro lado, a Polícia Federal, a Procuradoria Geral da República e entidades ligadas à Receita Federal já se manifestaram no sentido de que a liberação da jogatina será uma porta escancarada para atividades ilegais como lavagem de dinheiro, evasão de receita, sonegação fiscal e corrupção de agentes públicos.
Além dos crimes financeiros, os crimes contra o patrimônio também são incrementados pela legalização dos jogos de cassinos, bingos, entre outros tipos de jogos de azar. Estudo que comparou Las Vegas com outras 10 cidades com quantitativo populacional semelhante, apontou que a capital mundial da jogatina tem os piores índices no que se refere aos crimes como furto, roubo, fraudes, invasão de domicílios, estupro, entre outros delitos graves.
Mesmo com todas essas informações técnicas desfavoráveis, os lobistas nunca mencionam os elevados custos sociais da atividade.
Nas palavras de Earl Grinolls[1] – economista e professor da Universidade de Baylor (EUA) – a cada 1 dólar arrecadado com com a prática dos jogos de azar, 3 dólares são gastos com os custos sociais, entre eles: fiscalização e controle, segurança pública e saúde. Por fim, há de se falar no jogo compulsivo (ludopatia), doença já reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo essa organização, suas consequências são análogas às da dependência química.
A vício no jogo leva o jogador compulsivo a cometer outros crimes, potencializa as tentativas de suicídio e induz o desenvolvimento de outras compulsões como alcoolismo, destruindo famílias inteiras.
E tempo, a legalização dos jogos de azar ignora evidências acumuladas por organismos científicos e técnicos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica a ludopatia como transtorno mental desde 1992 (CID-10: F63.0), reconhecendo seus efeitos sobre o sistema nervoso, a saúde mental e o funcionamento social do indivíduo. Segundo estudo publicado na revista Addiction (LORAINS; COWLISHAW; THOMAS, 2011), entre 1% e 5% da população exposta ao jogo desenvolve algum nível de dependência patológica. Aplicado ao contexto brasileiro, isso significa entre 2,5 e 10,5 milhões de pessoas doentes e em sofrimento social.
Os números são estarrecedores. Entre os ludopatas, cerca de 50% a 80% já consideraram seriamente se suicidar (a taxa entre toda população é de 5%). Outro estudo chocante aponta que 13% a 20% realmente já tentaram ou conseguiram se matar (média de 0,6% entre toda população).
Foram constatadas comorbidades significativas nos jogadores compulsivos, tais como, problemas com o uso do álcool em 48,9%, uso de drogas ilícitas por 49,2%, maior depressão por 46,9%, entre outros, indicativos através de avaliações clínicas segundo o estudo em “Prevalence of comorbid disorders in problem and pathological gambling: systemati review and meta-analysis of population surveys (Felicity K.Lorains, Sean Cowlishaw & Sane A.Thomas.
O PL também contraria princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, proteção da família e da infância, e ignora diretrizes da Política Nacional sobre Drogas, instituída pelo Decreto nº 9.761/2019, que orienta o Estado brasileiro a adotar políticas preventivas e de atenção integral a comportamentos aditivos e compulsivos.
Assim, diante de evidências técnicas, jurídicas e científicas, manifestamo-nos veementemente CONTRÁRIOS à aprovação do Projeto de Lei nº 2.234/2022. O Brasil não pode institucionalizar uma epidemia. É dever do Estado proteger sua população, investir em políticas de saúde mental, educação e prevenção social — e não estimular um modelo de exploração financeira, emocional e comportamental que sabidamente adoece, empobrece e destrói famílias.
Brasil, 06 de julho de 2025
[1] GRINOLLS, Earl. Gambling in America: Costs and Benefits. Cambridge University Press, 2004.